Carlo Petrini, Georges Schnyder e Marcelo Podestá, membros do movimento Slow Food, abordaram o tema em Tiradentes. Por Ludmila Pizarro
TIRADENTES. Quem produziu o arroz e o feijão que você comeu hoje? Com essa provocação, Georges Schnyder, presidente do Slow Food Brasil, explica o que é autonomia alimentar, um dos pilares do movimento que surgiu na Itália há 30 anos em contraposição ao fast-food, e como não a temos. “Somos uma geração que foi muito mal educada do ponto de vista alimentar. Fomos transformados pelas ‘Nestlés’ da vida. Temos que voltar para trás, para o que de fato é a comida que merecemos comer”, diz.
O fundador do movimento Slow Food, o italiano Carlo Petrini, esteve no Brasil e mostrou sua preocupação com o controle de grandes – e poucas – indústrias da produção de alimento no mundo. “Nos últimos 30 anos, nunca houve um poder tão forte na mão de poucos na política alimentar mundial. Isso significa multinacionais que têm poder na alimentação, na indústria de fertilizantes e na medicina”, diz.
Segundo Petrini, hoje o mundo produz alimento para o consumo de 12 bilhões de pessoas, sendo que somos 7,3 bilhões, um desperdício de quase 40%. Por outro lado, 80% da comida do planeta vem da agricultura familiar. Estima-se, de acordo com Petrini, que 500 milhões de propriedades rurais são responsáveis por essa produção.
Mas elas estão diminuindo. Desde 2008, a população urbana mundial ultrapassa a rural. “Não é que os jovens não querem viver no campo, é que não há economia suficiente. Não se paga bem os pequenos produtores em nenhum lugar do mundo. Precisamos de um novo paradigma na produção de alimentos que respeite quem trabalha na terra”, afirma.
Em setembro deste ano, o jornal norte-americano “The New York Times” fez uma reportagem sobre o investimento de grandes indústrias alimentícias como Nestlé, PepsiCo e General Mills no Brasil, com foco na população mais pobre. “A Nestlé pode vender sua comida na Amazônia, nas favelas, e não tem problema nenhum. Mas o Brasil tem uma legislação que impede que um queijo produzido em Minas seja vendido em outro Estado”, avalia Petrini. “Quando fortalecemos os pequenos produtores, defendemos uma produção limpa para o meio ambiente e justa nas relações de trabalho”, acrescenta o facilitador do Slow Food Brasil em Minas Gerais, Marcelo Podestá.
Outra bandeira do Slow Food é a biodiversidade alimentar. “O cerrado de Minas está sendo devastado. No Norte de Minas existem produtores trabalhando frutos do cerrado, mas essas cadeias não estão montadas, a gente não consegue fazer com que esses produtos sejam processados e enviados às feiras”, afirma Podestá.
Segundo a bióloga e ex-ministra do meio ambiente Izabella Teixeira, é possível criar políticas públicas que incentivem a produção de alimentos no Brasil. “Depende de uma decisão da sociedade. Segurança alimentar, neste século, mudou de significado. A agricultura de larga escala pode ser produzida sem agrotóxico, pode ser mais justa do ponto de vista social, mais inclusiva. Existem várias práticas hoje no Brasil em grande escala que demonstram isso. Temos que mudar o sinal”, diz.
Futuro. O Slow Food foi discutido durante o Fórum do Amanhã, que aconteceu entre 9 e 12 de novembro, em Tiradentes. O objetivo do evento foi apresentar projetos para o Brasil.
Agrotóxico é usado por falta conhecimento
O Brasil é o maior consumidor de agrotóxico do mundo, e isso acontece por falta conhecimento, segundo a agrônoma e professora da Fatec de Mogi das Cruzes (SP) Fernanda Silveira Bueno. “Consumimos agrotóxicos porque vivemos em um sistema de cultura extensiva. O que acontece no Brasil é a falta de conhecimento. Existe uma propaganda, as empresas de agroquímicos precisam vender e pagam bolsas de estudo, pesquisas nas universidades, fornecem bolsas”, afirma.
Segundo a professora, o Brasil utiliza parâmetros de agronomia importados. “A forma como a agricultura brasileira utiliza o solo está errada. Nas minhas aulas, mostro as diferenças químicas, físicas e biológicas de um solo de país tropical e de um de clima temperado”, afirma.
MINIENTREVISTA
Carlo Petrini
Criador do movimento Slow Food
Como o Slow Food pensa a produção alimentar?
Penso que é necessária uma ideia de produção em nível local, que valoriza o trabalho do agricultor familiar, de pequenos artesãos. Os produtos não precisam viajar, nem usar produtos químicos. Isso significa que vai ser reduzida a produção de comida com agrotóxico, é uma produção mais saudável, que trabalha para a saúde. É um conceito diferente. Porque, nesse momento, a filosofia é de uma produção massiva, intensiva. Quando o preço da comida é baixo, facilita o desperdício porque se a comida não vale nada, pode desperdiçar. É uma mudança de paradigma.
É possível alimentar todo mundo com essa lógica?
Pensa-se que a agricultura industrial pode resolver o problema da comida. Não é verdade! Produzimos comida para 12 bilhões de pessoas hoje e somos 7,3 bilhões. É um desperdício absurdo! O problema da fome vai se resolver se houver menos desperdício. E com respeito à produção local. Não gosto da ideia de que não se pode produzir comida para os pobres sem a agricultura industrial. É claro que pode. Na história da humanidade sempre foi assim.
Como resgatar a produção local no Brasil?
(É possível) se mudar a legislação. Ela penaliza os pequenos e beneficia a indústria. Ajuda a indústria que não é brasileira, Nestlé, Monsanto. Se não mudar a legislação, não é possível. Tem que permitir que os produtos locais sejam vendidos no país todo, não só dentro do município e do Estado.
http://www.otempo.com.br/capa/ economia/comida-que-merecemos- ter-no-prato-vem-da-produ%C3% A7%C3%A3o-local-1.1544170
TIRADENTES. Quem produziu o arroz e o feijão que você comeu hoje? Com essa provocação, Georges Schnyder, presidente do Slow Food Brasil, explica o que é autonomia alimentar, um dos pilares do movimento que surgiu na Itália há 30 anos em contraposição ao fast-food, e como não a temos. “Somos uma geração que foi muito mal educada do ponto de vista alimentar. Fomos transformados pelas ‘Nestlés’ da vida. Temos que voltar para trás, para o que de fato é a comida que merecemos comer”, diz.
O fundador do movimento Slow Food, o italiano Carlo Petrini, esteve no Brasil e mostrou sua preocupação com o controle de grandes – e poucas – indústrias da produção de alimento no mundo. “Nos últimos 30 anos, nunca houve um poder tão forte na mão de poucos na política alimentar mundial. Isso significa multinacionais que têm poder na alimentação, na indústria de fertilizantes e na medicina”, diz.
Segundo Petrini, hoje o mundo produz alimento para o consumo de 12 bilhões de pessoas, sendo que somos 7,3 bilhões, um desperdício de quase 40%. Por outro lado, 80% da comida do planeta vem da agricultura familiar. Estima-se, de acordo com Petrini, que 500 milhões de propriedades rurais são responsáveis por essa produção.
Mas elas estão diminuindo. Desde 2008, a população urbana mundial ultrapassa a rural. “Não é que os jovens não querem viver no campo, é que não há economia suficiente. Não se paga bem os pequenos produtores em nenhum lugar do mundo. Precisamos de um novo paradigma na produção de alimentos que respeite quem trabalha na terra”, afirma.
Em setembro deste ano, o jornal norte-americano “The New York Times” fez uma reportagem sobre o investimento de grandes indústrias alimentícias como Nestlé, PepsiCo e General Mills no Brasil, com foco na população mais pobre. “A Nestlé pode vender sua comida na Amazônia, nas favelas, e não tem problema nenhum. Mas o Brasil tem uma legislação que impede que um queijo produzido em Minas seja vendido em outro Estado”, avalia Petrini. “Quando fortalecemos os pequenos produtores, defendemos uma produção limpa para o meio ambiente e justa nas relações de trabalho”, acrescenta o facilitador do Slow Food Brasil em Minas Gerais, Marcelo Podestá.
Outra bandeira do Slow Food é a biodiversidade alimentar. “O cerrado de Minas está sendo devastado. No Norte de Minas existem produtores trabalhando frutos do cerrado, mas essas cadeias não estão montadas, a gente não consegue fazer com que esses produtos sejam processados e enviados às feiras”, afirma Podestá.
Segundo a bióloga e ex-ministra do meio ambiente Izabella Teixeira, é possível criar políticas públicas que incentivem a produção de alimentos no Brasil. “Depende de uma decisão da sociedade. Segurança alimentar, neste século, mudou de significado. A agricultura de larga escala pode ser produzida sem agrotóxico, pode ser mais justa do ponto de vista social, mais inclusiva. Existem várias práticas hoje no Brasil em grande escala que demonstram isso. Temos que mudar o sinal”, diz.
Futuro. O Slow Food foi discutido durante o Fórum do Amanhã, que aconteceu entre 9 e 12 de novembro, em Tiradentes. O objetivo do evento foi apresentar projetos para o Brasil.
Agrotóxico é usado por falta conhecimento
O Brasil é o maior consumidor de agrotóxico do mundo, e isso acontece por falta conhecimento, segundo a agrônoma e professora da Fatec de Mogi das Cruzes (SP) Fernanda Silveira Bueno. “Consumimos agrotóxicos porque vivemos em um sistema de cultura extensiva. O que acontece no Brasil é a falta de conhecimento. Existe uma propaganda, as empresas de agroquímicos precisam vender e pagam bolsas de estudo, pesquisas nas universidades, fornecem bolsas”, afirma.
Segundo a professora, o Brasil utiliza parâmetros de agronomia importados. “A forma como a agricultura brasileira utiliza o solo está errada. Nas minhas aulas, mostro as diferenças químicas, físicas e biológicas de um solo de país tropical e de um de clima temperado”, afirma.
MINIENTREVISTA
Carlo Petrini
Criador do movimento Slow Food
Como o Slow Food pensa a produção alimentar?
Penso que é necessária uma ideia de produção em nível local, que valoriza o trabalho do agricultor familiar, de pequenos artesãos. Os produtos não precisam viajar, nem usar produtos químicos. Isso significa que vai ser reduzida a produção de comida com agrotóxico, é uma produção mais saudável, que trabalha para a saúde. É um conceito diferente. Porque, nesse momento, a filosofia é de uma produção massiva, intensiva. Quando o preço da comida é baixo, facilita o desperdício porque se a comida não vale nada, pode desperdiçar. É uma mudança de paradigma.
É possível alimentar todo mundo com essa lógica?
Pensa-se que a agricultura industrial pode resolver o problema da comida. Não é verdade! Produzimos comida para 12 bilhões de pessoas hoje e somos 7,3 bilhões. É um desperdício absurdo! O problema da fome vai se resolver se houver menos desperdício. E com respeito à produção local. Não gosto da ideia de que não se pode produzir comida para os pobres sem a agricultura industrial. É claro que pode. Na história da humanidade sempre foi assim.
Como resgatar a produção local no Brasil?
(É possível) se mudar a legislação. Ela penaliza os pequenos e beneficia a indústria. Ajuda a indústria que não é brasileira, Nestlé, Monsanto. Se não mudar a legislação, não é possível. Tem que permitir que os produtos locais sejam vendidos no país todo, não só dentro do município e do Estado.
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