As mulheres à frente da transformação dos sistemas agroalimentares

Recomendações geradas no Primeiro Foro de Ministras e Secretárias da Agricultura das Américas

             Foto: Prabin Ranabhat/Sopa/Rex/Shutterstock

Contexto

Os sistemas agroalimentares (SAA) refletem estruturas políticas, econômicas, culturais e territoriais, além de possuírem especificidades históricas, nacionais e regionais. As mulheres são atores-chave envolvidos nos SAA, participam ativa­mente do seu desenvolvimento e impulsionam iniciativas que contribuem para a sua transformação. No entanto, elas são fortemente afetadas pelas relações de desigualdade existentes nos SAA. Por essa razão, para se avançar no de­senvolvimento dos SAA e torná-los mais justos, resilientes e sustentáveis nas Américas, a inclusão da perspectiva e da liderança das mulheres rurais é inadiável.

Origem das Recomendações

O Primeiro Foro de Ministras e Secretárias da Agricultura das Américas, “As mulheres à frente da transformação dos sistemas agroalimentares”, organizado pelo Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA), foi realizado em julho de 2021, com o objetivo de se ressaltar o papel das mulheres que trabalham para o desenvolvimento sustentável do setor agropecuário nos níveis mais altos da vida pública e contou com a participação de ministras, secretárias, vice-ministras ou subsecretárias da agricultura de 12 países.

Principais mensagens e recomendações

Visibilização das mulheres rurais e proteção dos seus direitos

No meio rural, as questões de gênero estão invisibilizadas [M. Otero, R. Grynspan, M. E. Undurraga Marimón, T. Vera, J. Ordóñez, T. C. Corrêa, L. Pacas]. Em geral, o trabalho agrícola é considerado uma extensão do trabalho no lar e, portanto, a contribuição das mulheres à atividade produtiva no meio rural é sub-registrada [M. Otero, R. Grynspan]. Além disso, as mulheres rurais desempenham múltiplos papéis em extensas jornadas de trabalho.

As carências das mulheres rurais em relação às suas congêneres dos territórios urbanos estão relacionadas à falta de oportunidades no traba­lho, participação política e econômica, educação, acesso ao crédito, al­fabetização digital e proteção social [N. Kim, M. E. Undurraga Marimón, T. Vera].

A agenda para se alcançar a igualdade de gênero deve considerar as diferenças e a heterogeneidade existentes inclusive entre as mulheres. Portanto, fazem-se necessárias a elaboração e a implementação de po­líticas específicas para realidades diversas, que atendam em particular às minorias afrodescendentes e indígenas e à ampla diversidade exis­tente entre as mulheres [R. Grynspan, T. Vera, J. Bronaugh, T. C. Corrêa]. Além disso, é necessário prevenir a violência contra as mulheres [M. E. Undurraga Marimón, T. Vera].

A pandemia da Covid-19 catalisou profundas transformações e mudan­ças sociais – por exemplo, no estilo de vida e na forma de ver o mundo, bem como nas ameaças hoje enfrentadas. Diante das interdependên­cias atuais, para se alcançar um desenvolvimento sustentável, equitati­vo e sólido é necessário conhecer a realidade granularmente, e não por meio de medições baseadas em médias que a escondem mais do que a refletem [R. Grynspan]. Uma medição adequada facilita a tomada de decisões, considerando-se, em especial, que a pandemia aumentou o trabalho das mulheres, o que requer que se repense o seu papel, sobre­tudo na agricultura familiar [L. Pacas, T. Vera].

As mulheres não são vulneráveis e não possuem vulnerabilidade in­trínseca, mas os seus direitos foram vulnerados [R. Grynspan]. Desem­penham papéis importantes, nos quais podem contribuir para a saída da crise deflagrada pela pandemia [R. Grynspan], bem como para se alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) associa­dos à mudança do clima e à erradicação da pobreza [R. Grynspan, N. Kim, T. Vera].

É primordial fomentar a liderança e a promoção das mulheres, bem como abrir o caminho para a participação das mulheres jovens [R. Grynspan, T. C. Corrêa, J. Bronaugh]. A sua capacidade transformadora e propositiva é fundamental para o desenvolvimento sustentável, a redução da pobre­za e a recuperação econômica no contexto da pandemia [N. Kim, T. Vera, M. I. Remy Simatovic, M. L. Rodríguez Lozano, L. Pacas].

Sistemas alimentares sustentáveis e contribuição das mulheres rurais

Os sistemas alimentares oferecem uma oportunidade para se au­mentar a inclusão das mulheres, da mesma forma que podem ser um espaço para a sua classificação nos papéis que tradicionalmen­te vêm cumprindo [M. Guzmán]. Deve-se trabalhar em prol de uma nova normalidade em que prevaleçam a sustentabilidade e a equida­de, para não se voltar à ordem anterior em que as mulheres ficavam à margem [R. Grynspan].

Para potencializar o papel das mulheres nos sistemas alimentares, é indispensável assegurar-lhes o acesso a ativos (educação, capacita­ção, assistência técnica), bem como espaço na tomada de decisões e nos processos econômicos [S. Marshall, N. Kim, M. E. Undurraga Marimón, T. Vera, L. Pacas, B. Aguilera, R. Grynspan].

A transformação dos SAA mediante a inclusão plena das mulhe­res só virá com a mudança de paradigmas. A ruralidade tem rosto de mulher [T. Vera]. Por essa razão, é necessário abandonar as vi­sões do século XX sobre a participação das mulheres na vida rural e oferecer-lhes capacitação e assistência técnica adequadas, além de acesso à tecnologia, ao crédito, à propriedade das terras etc. [R. Grynspan]. Para se alcançar o desenvolvimento sustentável, é preci­so que a mudança compreenda, além das mulheres, o conjunto dos atores que trabalham no setor e os tomadores de decisões nos SAA.

A interdependência do rural e do urbano se torna cada vez mais evi­dente, mas é necessário que essa relação agregue valor a ambos os espaços, de maneira que os interesses de um não se sobreponham aos do outro. Para se falar do ponto de vista da ruralidade e da diver­sidade é necessário envolver a sociedade inteira [R. Grynspan].

As mulheres rurais são protagonistas ativas dos SAA e participam da busca de soluções para diversos dos problemas atuais. Por exemplo, elas contribuem na proteção da agrobiodiversidade e da gestão sustentável dos recursos naturais (como a água), bem como no enfrentamento das adversidades climáticas [S. Marshall, M. E. Undurraga Marimón]. Destacam-se, além disso, pelo uso consciente e eficiente que fazem dos recursos [M. L. Rodríguez Lozano].

Um dos principais desafios enfrentados pelas mulheres rurais é a mudança do clima. As mulheres precisam de tecnologia agrícola que aumente a resiliência às adversidades climáticas, bem como de práticas inteligentes e estratégias melhores para a gestão dos recursos hídricos. É necessário capacitá-las nessas áreas, propiciar o seu acesso às tecnologias e oferecer-lhes apoio para desenvolver habilidades digitais e empoderar-se [J. Bronaugh, N. Kim].

Políticas públicas e acesso a oportunidades e recursos

Para dinamizar o papel das agricultoras é indispensável promover oportunidades ligadas a acesso a terras, apoio financeiro, formação em tecnologias digitais e educação para fortalecer as suas capaci­dades [L. Pacas, M. E. Undurraga Marimón, S. Marshall, N. Kim, J. Bronaugh, J. Ordóñez].

Os países promovem um conjunto de políticas orientadas para o desenvolvimento de iniciativas que visam especificamente às mulheres rurais.

Antígua e Barbuda dispõem de um fundo para respaldar as mulhe­res que empreendem no setor agrícola, além de promover linhas de capacitação para que elas expandam os seus negócios, fomentar a incorporação de tecnologia e lhes oferecer apoio especial para en­frentar as catástrofes climáticas [S. Marshall].

O Brasil implementa o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), por meio do qual se oferece crédito às mulheres rurais [T. C. Corrêa].

O Canadá traçou uma estratégia para, até 2025, multiplicar por seis a ajuda fornecida às mulheres, com o objetivo de atraí-las para o se­tor agrícola e fortalecer as suas capacidades [N. Kim].

A Colômbia desenvolveu linhas de crédito especiais com um enfo­que diferenciado para as mulheres rurais [M. L. Rodríguez Lozano].

O Chile, na sua Política Nacional de Desenvolvimento Rural 2014-2024, propõe uma mudança de paradigma com base em uma visão da ru­ralidade como espaço de oportunidades em que o rural mantém uma relação de grande valor com o urbano. A Comissão Nacional de Irri­gação promove programas sobre água focados nas mulheres. Além disso, o país está implementando uma política de desenvolvimento rural e mesas público-privadas, com o propósito de oferecer um espa­ço de oportunidades à sociedade no seu conjunto, redefinindo, assim, a relação urbano-rural [M. E. Undurraga Marimón].

No Equador, a Estratégia Nacional Agropecuária para as Mulheres Rurais (2020) se concentra em melhorar a qualidade de vida das mulheres rurais, oferecendo-lhes novas linhas de crédito a taxas preferenciais e focadas em diversos objetos [T. Vera].

O Plano Mestre de Resgate Agropecuário de El Salvador promove o empoderamento das mulheres, a visibilização da sua liderança e a transparência nas cadeias produtivas, com o objetivo de que as mulheres recebam retribuições justas pela sua produção [L. Pacas].

Entre as políticas, destaca-se a implementação de mesas de diálogo, conselhos participativos e feiras que promovem o encontro e o inter­câmbio entre mulheres e jovens [N. Kim, M. E. Undurraga Marimón, M. L. Rodríguez Lozano].

Fonte: IICA, agosto de 2021


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