Selo permitirá comercialização do queijo serrano em todo o Brasil

Alimento típico feito a partir do leite cru é responsável pelo sustento de famílias nos Campos de Cima da Serra. Comercialização era permitida apenas dentro de seus municípios

Imagem: Senar-SC

Noele Scur

Produtores de queijo serrano poderão avançar no mercado para outros estados e até mesmo a outras regiões do Rio Grande do Sul. A novidade acontece após a publicação de uma Instrução Normativa (nº 03/2021) pela Secretaria Estadual da Agricultura, que ocorreu nesta semana. O documento era o que faltava para que a implantação do Selo Arte - desenvolvido em 2019 pelo governo federal, passasse a ser realidade na prática. Os cerca de dois anos de espera são decorrentes de discussões de especialistas da área agrícola para que o Estado elaborasse suas normas, segundo a Emater de um dos principais municípios produtores do queijo regional dos Campos de Cima da Serra, Serra de Francisco de Paula.

Pelo menos 16 produtores atuam formalmente com o queijo, que é feito artesanalmente por famílias há mais de 200 anos no Rio Grande do Sul. Mesmo assim, o órgão estima que 95% dos produtores são informais, já que produzem apenas para consumo próprio. Há, ainda, outras 18 cidades conhecidas pela confecção do alimento típico no Estado de Santa Catarina.

Segundo a médica veterinária e extensionista rural da Emater em São Francisco de Paula, Lilian Varini Ceolin, o selo é uma liberação importante porque atualmente os produtores regularizados conseguem vender apenas no próprio município já que a inspeção é feita em âmbito municipal. Na pandemia, houve algumas aberturas para agroindústrias que são ligadas à agricultura familiar do governo do Estado, mas que não serve para avançar a outros Estados do Brasil.

— Para obter o Selo Arte, é necessário ser agroindústria formalizada, porque isso garante a inspeção e segurança alimentar. Para vender, o produtor precisa de acompanhamento sanitário. Caso contrário, não há autorização. É uma segurança tanto para o produtor quanto para o consumidor — afirma.

Entre as agroindústrias com expectativa para obtenção do selo, está a Bolicho do Chapéu, localizada no Morro do Chapéu, distrito de Lajeado Grande, em São Francisco de Paula. No local, a família Scheifler se divide entre as produções do queijo, doces de leite e ambrosia (feito com leite coalhado). O atual proprietário, Flávio, 62 anos, está na lida desde os oito anos de idade. Aprendeu com o pai como fazer queijo serrano e, assim, mantém viva a quarta geração que confecciona o alimento.

O filho de Flávio, Emanuel Scheifler, 21, atua com o pai, mãe e irmão na agroindústria da família. Arquivo Pessoal / Divulgação

Meu avô teve um armazém onde negociava o queijo, e eu continuo fazendo. O queijo serrano é feito a partir do leite cru. As vacas são alimentadas praticamente apenas com pastagem nativa (há produção própria de leite na agroindústria) — diz.

Outra característica do produto típico da região é o sabor diferenciado, originário de cada família.

— Se você pegar dez produtores com o mesmo queijo, maturado por 60 dias, cada um terá um sabor diferente. Cada um tem uma receita, um modo de fazer, porque foi passado de geração para geração — explica.

A média de produção em um ano na agroindústria Bolicho do Chapéu é de 2 quilos por dia, sendo que, no verão, chega a 10 quilos. Os Scheifler têm um ponto de venda na propriedade e, também, comercializam em locais da área urbana da cidade, além de pontos da Rota do Sol. A intenção é de que as vendas pelo menos dobrem com o novo formato.

— Acho uma coisa absurda. Não posso vender em Caxias, por exemplo, porque a lei não permite. Espero que, com o Selo, as coisas melhorem bastante para nós! — diz.

Segundo a Emater, a previsão é de que o selo seja destinado aos agricultores formalizados em algumas semanas.

Maturação de 60 dias e informalidade

Para adquirir o Selo Arte serão exigidos documentos como análises laboratoriais, manuais de boas práticas e de declaração de maturação. Este último item é motivo de questionamentos.

— A lei nos obriga a fazer a maturação em 60 dias. Para isso, precisamos de um público diferenciado porque a maioria não está habituada. O gosto fica acentuado, mas muitos não estão acostumados — afirma Scheifler.

O problema apresentado por ele traz à tona a realidade da informalidade. Para pessoas que produzem por conta própria, sem agroindústria consolidada, a venda de queijos com menor tempo de maturação acaba sendo facilitada.

— Nesses casos, o queijo é ofertado com 15, 20 dias de maturação, é o conhecido queijo verde (mais macio). É o que o consumidor está mais acostumado —afirma.

A explicação para a exigência, feita pelo Ministério da Agricultura, é embasada na segurança contra contaminações, segundo Lilian.

— Todo queijo de leite cru feito no Brasil precisa ter no mínimo 60 dias, a não ser que, com análises laboratoriais, se comprove que é seguro micro biologicamente para consumo com menor tempo. Como é leite cru, torna-se mais sensível.

Há exemplos, como ocorrido em Minas Gerais com o queijo Minas Artesanal, em que houve liberação para venda após 20 dias do processo de maturação, de acordo Lilian. A mudança foi possível porque foram apresentados estudos técnico-científicos comprovando que não havia riscos para o consumidor. No Rio Grande do Sul, há um estudo desenvolvido pela Emater e pasta estadual da Agricultura que coletará queijos pelo período de três anos para futuras análises.

Receita antiga

De acordo com o Governo do Estado, os registros do queijo serrano apontam que o alimento é produzido desde o povoamento dos Campos de Cima da Serra pelos açorianos que partiram de Laguna (SC) e, também, os que saíram de Santo Antônio da Patrulha, além de alguns tropeiros de origem lusitana que se estabeleceram nas terras.

Conforme a história, o gado que foi deixado pelos padres jesuítas foi amansado e, depois, passaram a ser ordenhados para a confecção do queijo. De acordo com o governo do Estado, cerca de três mil produtores elaboram os queijos no Rio Grande do Sul, embora a maioria produza apenas para consumo da família.

Fonte: https://gauchazh.clicrbs.com.br/pioneiro/economia/noticia/2021/04/liberacao-de-selo-permitira-comercializacao-do-queijo-serrano-em-todo-o-brasil-cknroq80l004g019811fr72nz.html


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