City Regions Food Systems - Alimentos produzidos no campo sob encomenda das cidades



Por: JOANA COLUSSI – 14/09/2018

Sidnei Justin Witt, 26 anos, era adolescente quando via o pai Telmo Justin Witt penar na produção de bananas no interior de Itati, no Litoral Norte. Quando não eram os problemas climáticos, o mercado ficava tomado por atravessadores oferecendo uma miséria pela produção. O cenário de dificuldades, vivido também por vizinhos, o levou naturalmente para a cidade, aos 18 anos. 
Em 2012, formou-se técnico contábil no Instituto Federal do Rio Grande do Sul, em Gravataí. Já no mercado de trabalho, em 2015, recebeu um telefonema do pai:
– Preciso de alguém para me ajudar, as coisas melhoraram. Volta para casa, filho – disse o produtor.
O jovem balançou. Começou a pensar como seria seu futuro na cidade, onde percorria mais de uma hora por dia de motocicleta para se deslocar da sua casa, em Gravataí, até o trabalho, em Eldorado do Sul.
– Pensei também na minha enteada, na educação dela. Querendo ou não, em cidade grande há muita influência social – recorda-se.
A proposta do pai, junto à possibilidade de ter melhor qualidade de vida, o levou de volta para a terra natal. Desde então, a propriedade familiar de 20 hectares triplicou o cultivo de bananas, intensificou o sistema agroflorestal, investiu em mecanização e consolidou a produção orgânica.
Boa parte do ânimo para investir veio do modelo de comercialização – sem a necessidade de intermediário e com liquidez garantida. Em feiras da agricultura familiar, todo sábado, em Capão da Canoa, e também por meio do sistema implantado pela Cooperativa Mista de Agricultores Familiares de Itati, Terra de Areia e Três Forquilhas (Coomafitt). Com 243 associados, a cooperativa faz a entrega dos produtos diretamente ao consumidor final, em escolas, restaurantes e empresas de alimentação. 
– A agricultura familiar está se desafiando para ir além de plantar, priorizando o abastecimento e a origem da produção – destaca Charles Lima, associado da Coomafitt e gestor da central metropolitana de cooperativas da agricultura familiar, com centro de distribuição em Canoas.
Por meio de contratos fixos com os clientes, a Coomafitt consegue garantir um preço mínimo ao produtor – estabelecido a cada três meses. 
– É uma forma de assegurar renda à propriedade familiar, o que tem ajudado muito o movimento de retorno dos jovens ao campo – completa Lima.

Iniciativas gaúchas serão destaque em conferência 

As trajetórias da Coomafitt e da Rota dos Butiazais serão alguns dos cases apresentados durante a 3ª Conferência Internacional Agricultura e Alimentação em uma Sociedade Urbanizada (3ª AgUrb), que começa na segunda-feira, em Porto Alegre. Com participação de 170 especialistas, de 36 países, o evento conectará a agricultura no campo com o consumo nas cidades – cada vez mais populosas no mundo todo.
– A conferência pretende estabelecer bases para nova agenda de pesquisas e práticas agroalimentares – diz o professor e pesquisador Sérgio Schneider, coordenador-geral da 3ª AgUrb, promovida pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Com o tema central alimentos saudáveis, sociobiodiversidade e sistemas agroalimentares sustentáveis: inovações do consumo à produção, o encontro terá painéis, simpósios, grupos de trabalho temáticos, relatos de experiências, saídas de campo e atividades culturais. A expectativa é de que o evento reúna mais de 900 pessoas. 

Independência financeira na agricultura familiar

Sueli de Souza (à direita) e Celi Machado são sócias em agroindústria formada por mulheresTadeu Vilani / Agencia RBS
Há seis anos, o sonho de um grupo de mulheres tornou-se realidade no distrito de Boa União, no interior de Três Forquilhas. Elas conquistaram a independência financeira ao criar uma agroindústria de polpa de açaí, panificados e miniprocessados. Hoje, os produtos são vendidos em escolas, por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), e em restaurantes do Litoral Norte.
– Já éramos produtoras rurais, mas o negócio próprio fez com que nos sentíssemos muito mais valorizadas – conta Celi Aguiar Machado, 55 anos, uma das sócias da agroindústria e integrante da Associação das Mulheres Agricultoras para o Desenvolvimento Comunitário de Três Forquilhas (Amadecom), criada com o apoio da Coomafitt.
Produtora de banana e açaí, ao lado do marido, Sueli Fernandes de Souza, 51 anos, passou a ter uma renda extra com a agroindústria – que usa parte da matéria-prima de sua propriedade.
– Nunca me faltou nada. Mas ter o próprio dinheiro, sem precisar pedir a ninguém, não tem preço – relata Sueli. 
A empresa tem certificados agroindústria familiar estadual, polpa de fruta do Ministério da Agricultura e de produção orgânica. Os selos permitem que a polpa seja vendida em todo o país e os demais produtos dentro do Estado.

Rota dos Butiazais une países do Mercosul

Marene Marchi / Arquivo pessoal
Nascida com o objetivo de conectar pessoas, locais e ideias em torno do cultivo de butiá, a Rota dos Butiazais tornou-se espaço de integração entre Brasil, Uruguai e Argentina em torno da fruta nativa. O projeto, criado em 2015 pela Embrapa Clima Temperado, de Pelotas, une mais de 30 municípios desses países em ações de conservação ambiental e uso sustentável da biodiversidade associada aos butiazais.
– Descobrimos centenas de iniciativas ligadas à produção de butiá, que vão do artesanato, turismo, culinária, festas tradicionais, até produção de cachaças e licores. A troca de saberes tem trazido resultados fantásticos – destaca a pesquisadora Rosa Lía Barbieri, coordenadora do projeto na Embrapa.
Além de unir pessoas e locais, o projeto atraiu interesse de universidades, que passaram a incluir a iniciativa em palestras, pesquisas científicas e em saídas a campo. A experiência da Rota dos Butiazais será apresentada durante a 3ª AgUrb, na próxima quinta-feira (20).
– E o mais interessante é que a rota não é estanque, ela é dinâmica e está em constante expansão. À medida em que as pessoas vão se apropriando da ideia, dão vida e força ao projeto – resume Rosa Lía.

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