Os impactos da financeirização de terras na
região do Matopiba são tema do relatório “Os Custos Ambientais e Humanos do
Negócio de Terras”, que será lançado nesta quarta-feira, 15, durante a
Conferência de Abertura do I Seminário sobre Estrangeirização de Terras e
Segurança Alimentar e Nutricional, na Biblioteca Central da Universidade
Federal de Pernambuco, em Recife.
O
Relatório, que será apresentado pelo assessor sênior da Fian Internacional,
Flávio Valente, descreve e analisa os impactos ambientais e sobre os direitos
humanos causados pela expansão do agronegócio e pela especulação de terras na
região Norte/Nordeste do Brasil, conhecida como Matopiba, que engloba áreas dos
estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
“A
região tem sido vítima de uma expansão agressiva do agronegócio, em particular
de monoculturas de soja, que trazem consigo a expropriação de comunidades
rurais e destruição ambiental. A expansão do agronegócio e a crescente
especulação de terras têm sido alimentados por fundos vindos de agentes
financeiros internacionais, em particular de fundos de pensão dos EUA, Coreia
do Sul, Reino Unido, Alemanha, Luxemburgo, Suécia e Holanda”, destaca Flávio
Valente.
O Relatório “Os Custos
Ambientais e Humanos do Negócio de Terras” é fruto de duas missões de
investigação realizadas em setembro
de 2017 e janeiro de 2018. A primeira missão documentou as
consequências das apropriações de terras para as comunidades no Estado do Piauí
e reuniu-se com autoridades do governo brasileiro. A segunda missão ocorreu na
Europa e concentrou-se no envolvimento de fundos de pensão da Holanda, Alemanha
e Suécia na expansão do agronegócio e nas apropriações de terras na região.
Fundos de investimentos internacionais
Um dos apontamentos do
documento é o processo
de transformação da terra em um bem financeiro. “Agentes
financeiros (como bancos, empresas de corretagem, seguradoras, fundos de
pensão, fundos de investimento, agências de investimento e fundos de capital de
risco), estão, cada vez mais, vendo a terra como uma boa opção de investimento.
Esses agentes financeiros canalizam seus fundos para a compra de terras e para
atividades relativas ao uso da terra, de forma a diversificar seus
investimentos, aumentar os lucros e diminuir os riscos”, aponta Flávio Valente.
O
Relatório evidencia que as monoculturas de soja começaram a adentrar na região
do Matopiba no início dos anos 2000 e estão se expandindo desde então. “Devido
à crise financeira de 2007/2008, o negócio com terras se tornou mais rentável
que a produção agrícola. Isso levou à criação de empresas relacionadas à terra
que não se envolviam diretamente com a produção, mas se dedicavam completamente
à aquisição, venda, arrendamento e/ou administração de terras. A falsificação
de títulos de propriedade é uma das características desse negócio. Pois é uma
forma de oficializar (ou ao menos simular) a propriedade de terras adquiridas
ilegalmente. Os agentes que atuam na região são apoiados por agentes
financeiros internacionais que investem grandes quantias no negócio de terras,
o que alimenta o atual processo de especulação e consequentemente termina e determina
a expulsão violenta da população”.
A
pesquisa verificou que o fundo de pensão dos EUA, TIAA, possui quase 300 mil
hectares de terra no Brasil, por volta de um terço dessas terras estão nos
estados da região do Matopiba. A maior parte dessas terras é administrada por
dois fundos dedicados às terras agrícolas, os TIAA-CREF Global Agriculture LLC
I e II (TCGA I e II), que somados valem US$ 5 bilhões. A maior parte dos que
investem no TCGA I e II são investidores institucionais, fundos de pensão em
particular. Dentre eles estão o Ärzteversorgung Westfalen-Lippe (ÄVWL) da
Alemanha, que investiu US$ 100 milhões no TCGA I, o ABP da Holanda, que
investiu US$ 200 milhões no TCGA II, e o segundo Fundo de Pensão Nacional Sueco
(AP2), que investiu um total de US$ 1,2 bilhões no TCGA I e II. O TIAA e esses
outros fundos se apresentam como investidores “responsáveis” e são parte de
vários esquemas de responsabilidade social corporativa (CSR).
“Esses
fundos de pensão operam por meio de complexas redes de investimentos, de forma
a contornar as medidas previstas na lei brasileira que limitam a propriedade de
terras por empresas estrangeiras”, denuncia Valente.
As violações dos direitos humanos e a destruição ambiental
A
missão internacional de investigação de setembro de 2017 documentou os impactos
sociais e ambientais causados pela expansão do agronegócio e pela especulação
de terras na região do Matopiba em 7 comunidades no sul do Piauí. Os resultados
mostraram que a população local sofre com as graves consequências do
desmatamento, da perda da biodiversidade e da contaminação generalizada do
solo, da água e do gado por agrotóxicos.
“Além
disso, o uso de violência contra líderes comunitários está aumentando, assim
como as disputas por água, que são agravadas pelas mudanças nos padrões de
chuva devido à degradação ambiental. A população local está perdendo suas
terras, o que causa a destruição de seus meios de subsistência, rupturas nas
comunidades e insegurança alimentar e nutricional. Em muitos casos as pessoas
se veem forçadas a migrar para as favelas nas grandes capitais.”, aponta Flávio
Valente.
O
documento ressalta que o Estado brasileiro – a nível federal, estadual e
municipal – violou suas obrigações relativas aos direitos humanos ao promover o
avanço do agronegócio na região, ao não proteger a população local das ações
dos grileiros locais, das empresas do agronegócio e dos investidores, e ao não
estabelecer uma prestação de contas. “Não respeitou e protegeu o direito
coletivo à terra da população local e as maneiras específicas com que eles
utilizam e administram seus territórios”, comenta Flávio Valente.
Caravana Matopiba – setembro de 2017/ Crédito: Rosilene Miliotti / FASE
Organizada
por FIAN Brasil, FIAN Internacional, Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Rede
Social de Justiça e Direitos Humanos, a Caravana Matopiba verificou in loco,
entre os dias 6 e 11 de setembro de 2017, os indícios de grilagem de terras por
empresas nacionais e estrangeiras e as consequentes violações de direitos
humanos decorrentes dessas grilagens. A Caravana foi composta por 34
organizações brasileiras e internacionais, que percorreram milhares de
quilômetros no sul do Piauí e do Maranhão visitando comunidades impactadas pelo
avanço recente do agronegócio na região.
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