Enquanto fungo se espalha e causa preocupação na África, polo produtor da fruta, uma fazenda em Moçambique testa nova variedade de planta que dá mostras de ser mais resistente.
Por BBC
04/02/2018 10h36 Atualizado há 23 horas
Não é muito fácil visitar a plantação de banana da fazenda Matanuska, em Moçambique. Depois de uma viagem de duas horas a partir da cidade mais próxima, visitantes são parados na entrada da fazenda e precisam mergulhar os pés em uma piscina de desinfetante. Até os carros precisam limpar as rodas.
A gigante plantação de banana no meio de uma planície seca já foi considerada um milagre. Hoje está devastada por uma doença chamada Mal do Panamá, causada por um fungo mortal, o TR4.
Ele foi detectado na África pela primeira vez há cinco anos, depois de dizimar milhões de hectares de plantações de banana na Ásia a partir de 1980.
O fracasso nas tentativas de conter a doença – que é resistente a fungicidas e não pode ser controlada quimicamente – gera preocupações ao redor do mundo. Poderia a fruta mais exportada do mundo, fonte de nutrientes para milhões de pessoas, estar sob o risco de extinção?
A BBC foi o primeiro veículo de imprensa a ter acesso à fazenda desde que ela foi atingida pela doença. E descobriu que, mais além da devastação, a plantação é um caso emblemático sobre as consequências inesperadas e indesejadas da globalização – e sobre a forma como a solução para esses problemas pode vir de lugares improvavéis.
Feita a higienização ao entrar na fazenda, visitantes avistam cachos e cachos de banana presos a armações de metal.
De lá, centenas de bananas são carregadas para uma área de tratamento antes de serem enviadas para o Oriente Médio em containeres.
Supervisor desse processo, o chefe técnico da fazenda, Elie Matabuana, passa todo o tempo olhando cacho por cacho para checar se eles têm as folhas amareladas e o cheio podre característico das plantas contaminadas.
"Quando acordo de manhã, a primeira coisa que penso é: o que posso fazer para acabar com essa doença?", diz ele.
"É uma luta enorme, mas estamos vencendo", agrega, antes de se corrigir. "Nós vamos vencer."
Contenção
Matabuana e sua equipe na fazenda Matanuska lutam uma batalha extremamente difícil. A doença se espalhou rapidamente nos últimos cinco anos.
"Vim para Matanuska pela primeira vez logo após identificarmos o patógeno. Nesse estágio a fazenda ainda era maravilhosa", diz Altus Viljoen, professor da Universidade de Stellenbosch, na África do Sul. Ele foi o primeiro cientista a confirmar que a doença havia de fato se espalhado para além da Ásia.
"Eu sabia que a paisagem (das plantações) iria mudar, mas não tinha ideia do tamanho do golpe, de quão severo ele seria."
Hoje, restam apenas 100 hectares das plantações de Matanuska. Cerca de dois terços dos 2,7 mil trabalhadores da fazenda foram demitidos, arruinando a economia local.
Conter a doença e encontrar uma variedade resistente se tornaram prioridades urgentes.
Cerca de 500 mil pessoas trabalham na indústria bananeira em Moçambique. Países vizinhos como a Tanzânia, a 600 km de Matanuska, também têm a economia extremamente dependente do cultivo de banana. Na Uganda e no Congo, as bananas representam 35% da ingestão de nutrientes de boa parte da população. E, embora acredite-se que o tipo da fruta cultivado nesses países seja resistente ao fungo, ninguém sabe com certeza.
No Brasil, onde a banana é a fruta mais consumida, a produção chega a 7 milhões de toneladas anuais, segundo medições oficiais, com papel importante no mercado exportador. E a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) diz, em boletim online, que diversas variedades da fruta são suscetíveis ao Mal do Panamá. A recomendação principal, segundo o órgão, é investir em variedades resistentes ao fungo.
De volta a Moçambique, a chefe da área de doenças botânicas do Ministério da Agricultura local, Antonia Vaz, afirma que "todos os países africanos estão preocupados com o que está acontecendo aqui".
Ela diz que o governo moçambicano implementou medidas para controlar a doença e garantir que ela não se espalhe para o norte. Ela também faz questão de dizer que a doença não é endêmica no país. O governo acredita que ela tenha vindo das botas de trabalhadores rurais das Filipinas.
"Foi um grande azar", diz ela.
O comércio de banana no mundo movimenta mais de U$ 12 bilhões todos os anos - o que torna a fruta a número um em valor e volume.
Não há cura
Em geral, quando quantias bilionárias estão em risco, soluções não são muito difíceis de serem encontradas.Mas o problema na luta contra o Mal do Panamá é a maneira como as bananas são cultivadas hoje em dia.
Embora existam milhares de tipos de banana no mundo, a maior parte da produção mundial hoje é de banana cavendish. No Brasil, a come-se o subtipo dawrf cavendish, conhecido por aqui como banana nanica.
Cultivar apenas uma variedade de uma planta em grandes monoculturas é uma prática que se tornou cada vez mais comum no mundo em todas as variedades de produtos – de árvores madeireiras a frutas.
O problema é que monoculturas são altamente suscetíveis à doenças. O que torna o caso das bananas ainda pior é que as cavendish são estéreis. Novas plantas são produzidas assexuadamente, o que significa que são idênticas à geração mais antiga.
Como elas não são reproduzidas naturalmente, não há seleção natural – o que poderia ajudar no surgimento de espécimes de banana resistentes à doença.
A cavendish se tornou a banana mais popular depois que a primeira variedade do fungo do Mal do Panamá dizimou a banana Gros Michel, que até os anos 1950 era a variedade mais comum. Como a cavendish era imune ao fungo, ela passou a ser a mais cultivada.
O problema é que a quarta "geração" do fungo, a TR4, agora ataca a cavendish e outras variedades.
O Fusarium Fungus vive no solo e ataca as raízes antes de se espalhar pelo resto da planta. Ele também produz esporos que sobrevivem no solo por décadas, tornando a terra inútil para colheitas não resistentes.
Nova esperança
Diantede um cenário tão lúgebre, por que continuar a plantar bananas em Matanuska?Há dois motivos principais.
Um dele tem a ver com o controle da área. "Se a terra foi simplesmente abandonada e as pessoas se movimentarem por ali, ninguém sabe quem vai carregar a doença e para onde", diz o professor Viljoen.O outro motivo é a esperança de encontrar uma solução.
A americana Tricia Wallace é uma ex-investidora do mercado financeiro que ajudou a conseguir financiamento para a fazenda anos atrás, quando a ideia de ter uma plantação de banana nessa parte do mundo parecia uma loucura, uma miragem no deserto.Ela diz que nos primeiros anos de funcionamento da fazenda, "pessoas vinham de outras partes de Moçambique e não conseguiam acreditar (no sucesso)".
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