Contextualização
Os queijos artesanais são produtos que se enquadram numa
concepção de qualidade do sistema agroalimentar caracterizada pela produção de bens tradicionais, com vínculos
culturais e ambientais. No Brasil, os queijos artesanais contribuem para a
geração de renda e ocupação de mais de 80 mil famílias rurais. No contexto de
um mercado diferenciado, os queijos artesanais sinalizam um potencial
importante de desenvolvimento das
comunidades rurais, viabilizando a manutenção das famílias nas suas
propriedades e estimulando a sucessão familiar na atividade rural.
Contudo, esses produtos são alvo de grandes conflitos e gargalos institucionais
e regulatórios vinculados à uma visão de qualidade baseada apenas em padrões
sanitários, o que tem obstaculizado a sua produção e comercialização.
Foi
buscando contribuir com a valorização dos queijos artesanais, que a Rede SIAL
Brasil organizou, em 10 de agosto de 2016, na cidade de Joinville, SC, a I Oficina
sobre Queijos Artesanais, em parceria com produtores, comerciantes,
acadêmicos e instituições públicas e privadas. O objetivo
da Oficina foi conhecer, debater, propor e apoiar ações com vistas à
regularização da produção e comercialização dos queijos artesanais no Brasil.
A
Oficina foi organizada em quatro módulos: três mesas redondas e uma dinâmica
envolvendo grupos temáticos. O objetivo das mesas redondas foi o de situar e
nivelar os conhecimentos dos participantes sobre os principais desafios e
potencialidades que afetam e condicionam a produção e comercialização dos
queijos artesanais no Brasil e em outros países, fornecendo um contexto geral
para o debate nos grupos temáticos. Já estes, que tiveram a participação de 114
pessoas, buscaram apontar os principais problemas e recomendações de
equacionamento, a partir das seguintes perspectivas: a) anseios dos produtores;
b) legislação; c) pesquisa; e d) políticas públicas.
A
partir do que foi levantado nos Grupos Temáticos e nas Mesas Redondas,
sintetizamos aqui os principais problemas do setor, bem como as recomendações
resultantes da Oficina. Uma apresentação mais detalhada dos temas, debates e
recomendações apresentados no evento pode ser encontrada no relatório completo
que se encontra no endereço http://redesialbrasil.blogspot.com.br/.
Panorama Atual dos Problemas do Setor
Apesar
das alterações no marco regulatório direcionado ao setor de queijos, mediante
Instruções Normativas do âmbito federal, leis estaduais e municipais, elas
ainda não foram suficientes para desobstaculizar a produção e comercialização
dos queijos artesanais, de forma a fortalecer a cadeia produtiva, estimular a
formalização da atividade e conquistar o amplo potencial representado pelos
seus mercados interno e externo.
O
problema central concentra-se na falta de uma legislação específica para os queijos
artesanais, uma vez que a legislação atual está direcionada para a produção de
queijos industriais, que utilizam leite pasteurizado. Dessa forma, as
especificidades que permeiam a produção e comercialização dos queijos artesanais,
em especial os de leite cru, e traduzem o seu saber fazer tradicional, não são
consideradas, ignorando-se as diversidades regionais de métodos de produção e
tempos de maturação, dos utensílios utilizados bem como das questões referentes
às embalagens desses produtos. Além disso, o aparato normativo atual implica em
um processo altamente burocrático, dificultando a formalização dos
empreendimentos e os processos de registro, concorrendo ainda para níveis de tributação
incompatíveis com a produção artesanal.
Somada
à falta de uma legislação compatível com a produção artesanal, há a
inexistência de políticas públicas que apoiem a produção de queijos artesanais
direcionadas para a organização do produtor, para a capacitação em boas
práticas agropecuárias e boas práticas de fabricação e que apoiem o controle de
zoonoses. Essas medidas possibilitariam adequar o processo produtivo para a
obtenção de um leite sadio e a produção de queijos que atendam à necessidade de
segurança do alimento para o consumidor.
Concomitante
com a falta de políticas públicas específicas para a produção dos queijos
artesanais, há também a necessidade de capacitação dos técnicos e dos fiscais
em conhecimentos voltados para a produção artesanal. A falta de capacitação
específica dos agentes responsáveis pela fiscalização decorre também da inexistência
de um marco regulatório adequado que lhes possibilite atuar de forma
convergente com as características da produção artesanal. Do lado do produtor, a
inexistência de regras claras e didáticas, dificulta a implementação de boas
práticas e o diálogo com as instituições de fiscalização, o que evitaria as
constantes multas, destruição de lotes ou mesmo a proibição da atividade em
alguns empreendimentos. Nesse sentido, a exigência de um responsável técnico
não cumpre essa falta, na realidade traz mais custos sem atender as
necessidades do produtor. Subentende-se
que o próprio produtor é o responsável pela qualidade e inocuidade dos produtos
que coloca no mercado, assumindo todos os bônus e ônus que isso implica. Assim,
o responsável técnico, seria facultativo por decisão do agrupamento de
produtores, se o entenderem necessário.
O
desenvolvimento de boas práticas específicas para a produção dos queijos
artesanais demanda pesquisas voltadas para técnicas e tempos de maturação, além
de outros aspectos ligados aos processos e materiais de produção. Embora já
existam diversas iniciativas nesse sentido, há desarticulação ou duplicação dessas
pesquisas, dado à inexistência de um programa ou instituição que as coordene, o
que torna os avanços mais lentos do que poderiam ser. Além disso, a falta de
recursos financeiros para apoiar as pesquisas dificulta a geração de
conhecimentos para o setor, que muitas vezes depende só dos esforços pessoais
dos pesquisadores.
Com
base nos problemas mencionados, o debate dos grupos temáticos da Oficina
apontou algumas recomendações aos atores da cadeia bem como às instituições que
são direta ou indiretamente ligadas aos processos de produção e comercialização
dos queijos artesanais, as quais encontram-se a seguir.
Recomendações
No
intuito de atuar no fortalecimento da produção e comercialização dos queijos
artesanais e considerando os problemas especificados durante as mesas e os debates
da Oficina, faz-se necessário as seguintes providências:
1)
A elaboração de
uma lei federal voltada para a produção dos queijos artesanais que respeite as
especificidades regionais e o saber fazer tradicional. Isso implica a
definição do que é um produto artesanal bem como no reconhecimento dos processos
produtivos que levam a esse tipo de produto. O estabelecimento de uma nova lei precisa
ser harmonizado com as legislações nas instâncias estaduais e municipais e com a
constituição de sistemas de inspeção municipal ou por consórcio municipal. Além
disso, o marco regulatório deve procurar simplificar os sistemas de registro e
rever os níveis de tributação.
2)
O
estabelecimento de política pública específica para a produção artesanal no que
concerne a assistência técnica, ao crédito, ao controle de zoonoses, a melhoria
na qualidade do leite, a capacitação de boas práticas e ao fortalecimento do
associativismo.
Nesse sentido, se faz necessária a capacitação dos profissionais que apoiam ou
fiscalizam a produção de queijos artesanais, seja no âmbito do trabalho de
campo, como na sua formação técnica/universitária. Busca-se dessa forma, que o
trabalho de extensão seja compatível com a produção artesanal e que a
fiscalização tenha um caráter mais orientador do que punitivo, baseada em
controle de riscos e com critérios transparentes e didáticos. Dado ao pequeno
porte dos empreendimentos, tornam-se necessárias linhas de crédito específicas e
programas de capacitação voltados para os produtores artesanais.
3)
O desenvolvimento
de um programa de pesquisas sobre a produção de queijos artesanais. Com o intuito
de embasar a atuação política, técnica e produtiva, recomenda-se apoiar e
ampliar, através de programas e instituições próprios, as pesquisas sobre
queijos artesanais de forma integrada e em rede, fortalecendo principalmente as
linhas voltadas para os aspectos microbiológicos, riscos sanitários, estudos
regionais e pesquisas que vinculem o produto ao território.
Durante
a Oficina sobre Queijos Artesanais foi aprovada uma proposta de que a Rede SIAL
Brasil continue a animar o debate juntamente com os demais participantes,
atores e instituições. Além disso, foi sugerida a criação de um Grupo de
Trabalho permanente de discussão e acompanhamento referente a essas e outras
providências em relação aos queijos artesanais. Esse grupo será animado pela
Rede SIAL Brasil, com ampla participação e parceria de setores e instituições
interessados no tema, presentes ou não na Oficina.
São
João del Rey, 18 de novembro de 2016.
Veja relatório completo:
https://goo.gl/xiarFr
https://goo.gl/xiarFr
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