Uma receita de sucesso: a parceria
entre Instituto Maniva e os agricultores familiares
A partir de entrevistas com a chef
Teresa Corção, com alguns produtores e com o gestor do Circuito Carioca de
Feiras Orgânicas foi possível perceber a importância dessas ações para a
promoção das feiras e seus agricultores, bem como para ressiginificação de seus
produtos tidos como comuns, para diferenciados. O gestor do circuito de feiras,
bem como os agricultores avaliam que a presença da “Barraca do Maniva” traz
maior movimento para as feiras, aumenta as vendas e propicia um espaço de troca
e sociabilização entre os produtores, consumidores e chefs.
Esta atividade é fruto do projeto “Parceiro do Agricultor”, que visa
auxiliar os agricultores familiares orgânicos na comercialização de seus
produtos com os restaurantes do Rio, tendo o chef como elo entre produtores,
donos de restaurantes e consumidores. Este projeto realiza um mapeamento dos
restaurantes localizados no entorno das feiras e busca incentivá-los a fazer
parcerias com os agricultores.
Apesar de considerarem a relevância
dessas relações, há um consenso de que estas são recentes e que ainda não está
bem estruturada. Ainda assim, é possível notar, na fala do gestor do Circuito
de Feiras do Rio de Janeiro, que tanto pelo esforço de instituições como o
Instituto Maniva, quanto por iniciativas individuais de chefs, essas relações
têm se estabelecido não apenas como ação de compra e venda, como também uma
relação pessoal e de amizade. Vale ressaltar também que o fortalecimento de
espaços como as feiras, permitem que os encontros entre os atores aconteçam e
que essas relações diretas e de proximidade se estabeleçam, demonstrando-se
como uma estratégia eficiente para o incremento da renda e da autonomia dos
produtores.
Em associação aos restaurantes, outros
espaços de comercialização têm sido criados seguindo princípios de fair trade,
como as lojas online e/ou físicas nos restaurantes com os produtos de origem
que os abastecem. Este trabalho desenvolvido no Instituto Maniva reverberou,
também, nas práticas do restaurante da chef. Assim, a chef passou a remodelar a
proposta de seu restaurante utilizando e valorizando os produtos brasileiros e
informando a seus comensais de onde e por quem os ingredientes utilizados nos
pratos foram produzidos, como pode ser visto no cardápio abaixo:
Além disso, a chef criou uma mercearia
em seu restaurante, chamada de “Nave”, na qual vende os produtos que utiliza no
restaurante, baseados nos princípios do fair trade, para oportunizar, por um
lado, mais um mercado para os agricultores e, por outro, criar oportunidades e
acesso para os comensais de seu restaurante afim de estimular o consumo desse
tipo de produto. Diante de sua forma de organização e atuação, o Maniva se
mostra como um ponto convergente entre vários setores e atores, em que é capaz
de estabelecer uma rede de relações entre eles.
O olhar dos agricultores frente ao circuito gastronômico
Todos os agricultores entrevistados expressaram
que os chefs são divulgadores de seus produtos, que dão notoriedade a eles e os
aproximam de novos consumidores, fazendo com que suas vendas aumentem
consideravelmente. Os agricultores comentam que os chefs trazem jornalistas e
imprensa para conversar com eles; fazem documentários e reportagens para
mostrar o dia a dia dos agricultores e o “caminho do alimento”; e, também,
promovem visitas de consumidores até os sítios dos agricultores.
A relação com os chefs também propicia
novos recursos, que antes eram desperdiçados e, atualmente, são
comercializados. Há relatos de desenvolvimento e\ou melhoramento de produtos
para comercialização, como o vinagre de caqui e o pesto com ramo de cenoura. Os
agricultores elencam, como principais vantagens da relação com os chefs a
“venda certa”, no sentido de terem a venda garantida para os restaurantes,
maior quantidade do que para consumidores comuns, pagamento direto e entrega
direta no restaurante.
Assim, da parte dos produtores, parece
que a constituição desse mercado oferece vantagens em relação a outros tipos de
mercado e constituída de maneira satisfatória para os produtores, de modo que
eles tenham menores custos, cansaço, recebam um valor justo e possam ter mais
tempo para investir em suas atividades.
Quando perguntados acerca dos
significados de vender para os chefs, os agricultores mencionam que é um
orgulho vender para os chefs e que se sentem felizes por isso, como conta o
agricultor e feirante Onésio: “Pra mim é bom. Quando a gente estava sozinha, a
gente encontrava um pouco de dificuldade. A gente só vendia pras feiras. Então,
hoje já vendendo pros ecochefs. Me sinto feliz porque eu vendo pra eles e eles
estão colocando saúde nas mesas dos consumidores”.
A chef Teresa confirma a fala dos
produtores contando que eles costumam dizer que “a coisa mais valorizada
possível quando eles veem o produto deles feito por um chef num prato” e que
eles dizem que ficam com “um orgulho muito grande”, pois sabem da dificuldade
para produzir o ingrediente e “de repente eles veem aquilo vestido de festa”.
Além disso, os agricultores afirmam que
estabelecem uma relação de amizade com os chefs. Seu Luis conta que encontra os
chefs regularmente, que construíram uma relação de confiança e que até já
participou da festa de aniversário da chef Teresa Corção, demonstrando que a
relação entre eles vai muito além de ingredientes e se sustenta sobre valores
simbólicos, morais e relações sociais enraizadas.
A gastronomia como estratégia de valorização para a agricultura familiar
O caso do Instituto Maniva demonstra
uma metodologia bem-sucedida de utilização da gastronomia como ferramenta para
novas formas de interação e comercialização entre chefs, produtores e
consumidores. Deste caso, é possível apreender vários ensinamentos. Primeiramente,
pode-se notar o papel central do chef como um novo ator e agente que vem se
aliando aos agricultores familiares. Há uma miríade de iniciativas neste
sentido, sendo as mais evidentes os inúmeros programas televisivos e outras
mídias que se ocupam da comida. Disso, evidencia-se um processo de
ressignificação e (re) valorização de produtos tradicionais, artesanais e
locais, conferindo-lhes traços de singularização e distintividade. Assiste-se,
também, a reação dos consumidores e a sua adesão crescente ao consumo destes
produtos diferenciados, valorizando a origem, o produto e a sua forma de
produzir, tanto no circuito gastronômico, como em feiras.
Apesar desta experiência se mostrar
positiva, há desafios a serem superados. Primeiro, é preciso ampliar o acesso
dos agricultores familiares a este tipo de mercado, de tal forma que possam
ampliar o portfólio de produtos e a escala de produção. Da mesma forma, é
preciso, também, criar espaços que oportunizem a participação de um maior e
diverso número de consumidores. Uma vez que este tipo de gastronomia tem um
preço salgado, com ticket médio de R$ 120,00, o acesso a ela acaba
restringindo-se a uma pequena parcela da população brasileira. Em segundo, está
o desafio de melhorar a infraestrutura material de apoio a este tipo de relação
entre produtores rurais, chefs e consumidores, uma vez que, em muitas
situações, há precariedade de estradas e as comunicações são falhas. A difusão
e a ampliação do uso da internet para estimular a conexão entre os diferentes
agentes poderia ser uma alternativa a este desafio; por fim, é preciso criar
uma institucionalidade para que estas iniciativas não representem mais uma nova
forma de apropriação dos conhecimentos e do modo de produzir e preparar
alimentos dos produtores e das populações tradicionais, mas que a gastronomia
seja agregada como instrumento para compor a cesta de atividades de políticas
públicas voltadas para valorização e fortalecimento da agricultura familiar.
Autores do artigo:
Tainá Zaneti - Doutoranda em
Desenvolvimento Rural - Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural -
PGDR - Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Professora do curso
de Gastronomia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre –
UFCSPA.
Sérgio Schneider - Doutor em Sociologia
- UFRGS/Université de Paris X. Professor do Departamento de Sociologia e dos
Programas de Pós-Graduação em Sociologia e em Desenvolvimento Rural da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS.
Contato:
Grupo de Estudos e
Pesquisas Agricultura Familiar e Desenvolvimento Rural – GEPAD
Universidade Federal
do Rio Grande do Sul
Porto Alegre – Rio
grande do Sul – Brasil
Alessandra Matte –
Secretaria de Assuntos Gerais
E-mail: alessandramatte@yahoo.com.br
Fonte:http://fidamercosur.org/claeh/experiencias/experiencias-en-la-regi%C3%B3n/831-brasil-a-contribui%C3%A7%C3%A3o-da-gastronomia-para-o-fortalecimento-da-agricultura-familiar
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