Muito além de ingredientes: a
contribuição da gastronomia para o fortalecimento da agricultura familiar – o
caso da relação entre chefs, agricultores e consumidores do Instituto Maniva,
no Rio de Janeiro – RJ, Brasil
Atualmente, a
gastronomia contemporânea vem utilizando cada vez mais ingredientes
tradicionais, locais e/ou orgânicos, entendidos como ingredientes
diferenciados. Neste contexto, os chefs tem recorrido progressivamente às
compras diretas dos produtores afim de garantir a qualidade, o frescor e o
sabor dos ingredientes. Para além da relação de compra e venda desses
ingredientes singulares, este recurso tem criado redes de relacionamentos entre
chefs, produtores e consumidores, que além de promover aumento das vendas dos
agricultores, também tem criado novos espaços de (re) valorização simbólica,
convivência, comercialização entre estes atores e novas utilizações e/ou
criações de produtos.
Este
processo vem crescendo em vários países como uma tendência mundial. Entre os
casos mais célebres deste fenômeno está o melhor restaurante do mundo, o El
Celler de Can Roca, em Girona, na Espanha, eleito pela revista inglesa
Restaurant, que tem seu tipo de cozinha Espanhola Moderna (Modern Spanish), que
prima pela sazonalidade, terroir e compra direta do agricultor; e o movimento
internacional Slow Food, criado por Carlo Petrini na Itália, em 1989, que prega
a utilização de alimentos bons, limpos e justos; o papel do chef como co-produtor;
e a valorização de produtos locais e artesanais.
O aspecto
comum a todas estas iniciativas reside no fato de que os gastrônomos passaram a
valorizar o produto e o modo de produzir os alimentos, percebendo que ambos
estão umbilicalmente conectados à cultura e ao modo de vida dos agricultores.
Há uma percepção compartilhada entre os chefs de que na produção de alimentos
há uma simbiose entre o produto, o local/território e as pessoas que produzem,
o que torna a comida o resultado da interação entre humanos e a natureza, entre
sociedade e meio ambiente.
Por ser um
movimento emergente, há várias questões a serem aprofundadas e melhor
compreendidas, tais como, o papel das políticas públicas no estímulo e apoio a
estas iniciativas, particularmente o papel da assistência técnica aos
produtores rurais. A fim de observar esse cenário no contexto brasileiro, este
texto irá mostrar o caso do Instituto Maniva, na cidade do Rio de Janeiro – RJ,
Brasil, que mostra como a gastronomia pode ser uma ferramenta de valorização da
relação entre produtores e consumidores e de fortalecimento e criação de novos
mercados para agricultura familiar.
A experiência: o caso do Instituto Maniva
O Instituto
Maniva foi criado pela chef Teresa Corção em 2007 e tem como missão “agregar
valor aos agricultores familiares brasileiros favorecendo a manutenção da
biodiversidade gastronômica e a melhoria da qualidade alimentar das sociedades
rural e urbana”. A chef Teresa Corção é formada em design, porém é cozinheira e
chef autodidata no restaurante “O Navegador”, que fica no centro da cidade do
Rio de Janeiro. O restaurante existe há mais de 20 anos e servia pratos de
cozinha internacional. No ano 2000, a chef conheceu o movimento italiano Slow
Food, e, a partir deste contato, passou a repensar sua gastronomia e a
direcionar seu trabalho para a pesquisa e uso da mandioca (cassava). A chef
conta que iniciou esse processo visitando e entrevistando os atores das casas
de farinha no nordeste brasileiro, o que a permitiu identificar inúmeros usos,
subprodutos e tipos de farinha de mandioca, assim como colecionar histórias de
pessoas envolvidas na produção da cultura da mandioca.
Destas
iniciativas resultou a criação do Instituto Maniva, com o objetivo de ampliar
as parcerias com órgãos públicos e empresas privadas afim de aumentar a
abrangência de agricultores envolvidos e beneficiados com as ações do
instituto. Uma das primeiras ações do Instituto foi a criação de um projeto de
educação do gosto, que ensina crianças da rede escolar pública do RJ a história
da mandioca, da culinária brasileira e a fazer tapioca, já instruiu mais de 800
crianças.
Atualmente,
o instituto é composto por dezesseis Ecochefs, cozinheiros com responsabilidade
socioambiental que realizam ações de comunicação e conexão entre produtores,
cozinheiros e consumidores, que atuam nas propostas e frentes do Instituto
Maniva. As ações do Instituto são organizadas em três principais frentes:
cultura, educação e agricultura. Estas frentes contemplam atividades como:
produção de documentários, programas de valorização de produtos locais junto ao
Governo e oficinas de cozinha sustentável com cozinheiras escolares e crianças.
A principal atividade do Instituto é sua participação semanal com a “Barraca de
Tapioca do Maniva” em cinco das 14 feiras do Circuito de Feiras Orgânicas do
RJ.
Acompanhe amanhã neste blog a publicação da segunda parte do artigo.
Autores do artigo:
Tainá Zaneti - Doutoranda em
Desenvolvimento Rural - Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural -
PGDR - Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Professora do curso
de Gastronomia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre –
UFCSPA.
Sérgio Schneider - Doutor em Sociologia
- UFRGS/Université de Paris X. Professor do Departamento de Sociologia e dos
Programas de Pós-Graduação em Sociologia e em Desenvolvimento Rural da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS.
Fonte:http://fidamercosur.org/claeh/experiencias/experiencias-en-la-regi%C3%B3n/831-brasil-a-contribui%C3%A7%C3%A3o-da-gastronomia-para-o-fortalecimento-da-agricultura-familiar
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