Da fazenda para a cidade

Cada vez mais o cultivo de alimentos tem se aproximado dos centros urbanos, das hortas comunitárias às grandes plantações. Tudo para nos manter mais perto de uma comida fresca e saudável
Rafael Tonon

Hoje, no Brasil, mais de 80% da população brasileira já vive em áreas urbanas, segundo o IBGE. A expectativa é que esse número passe de 93% em 2050. Ficamos aqui, nas cidades, e as plantações lá, no campo, a muitos quilômetros de distância. Perdemos tanto o contato com a natureza das coisas que nossos filhos ainda têm dificuldade de entender que por trás de uma bandejinha de isopor existe um ciclo de vida enorme. Mas tudo bem, estamos felizes vivendo na metrópole, com comida do mundo todo à venda nos mercados, certo? Nem tanto: a questão é que a comodidade da vida urbana nos relega alimentos piores, menos frescos e saudáveis. Nosso distanciamento teve um preço. Nos EUA, por exemplo, 95% da comida percorre mais de 1,6 mil km para chegar aos pontos de venda. Toda a alface disponível nos varejões do país demora uma semana para vir da Costa Leste e ser distribuída. O frescor, mesmo, só nas fotos das embalagens.
Para reverter essa situação, a saída de alguns produtores, consumidores e ativistas foi trazer, então, a agricultura novamente para perto, de forma a resgatar a nossa relação com a terra e com os alimentos. Foi assim que surgiu a tal agricultura urbana, que começou como um movimento de subsistência e resistência de pequenos grupos que queriam ir contra o sistema atual. Mas, aos poucos, a proposta foi ganhando mais adeptos e apoiadores. E, dessa forma, as pequenas hortas comunitárias serviram como inspiração para um modelo de negócio, com produção maior e em áreas próximas a nós.
Fazendas na cidade
A BrightFarms é uma dessas empresas inovadoras que investiram em criar fazendas em grandes metrópoles americanas – e por fazendas entenda-se a produção em média e larga escala, não necessariamente aquele modelo dos livros de ciências, com vaquinhas e galinhas. No caso da empresa, com bases de distribuição em Nova York, Chicago e Washington, o modelo adotado foi o do cultivo hidropônico, por permitir maior produtividade com menos recursos naturais (água e solo). “O design dos sistemas hidropônicos permite a recirculação de água. Isso significa que usamos menos água do que a agricultura convencional e não há escoamento agrícola. Para os tomates, por exemplo, podemos usar até 25 vezes menos água”, afirma Paul Lightfoot, CEO da BrightFarms. “Só usamos sistemas hidropônicos porque só cultivamos alimentos nas mesmas comunidades nas quais eles serão consumidos. Do contrário, não seria viável trabalhar assim”, acrescenta.
“Tem se tornado impossível ignorar os riscos da produção de alimentos em alta escala em nome da conveniência e dos preços”, afirma Jennifer Cockrall-King, autora do livro Food in the City: Urban Agriculture and the New Food Revolution (A Comida na Cidade: Agricultura Urbana e a Nova Revolução Alimentar, sem tradução no Brasil). “Por isso as preocupações em torno da ética dos produtos baratos e uma política por igualdade de acesso a alimentos mais frescos e saudáveis finalmente se tornou um assunto comum nas nossas conversas”, acredita. A saída encontrada pelas pessoas que querem uma alternativa aos fertilizantes químicos, pesticidas e um sistema que usa milhares de litros de combustíveis fósseis para ser distribuída foi voltar aos princípios dos nossos antepassados: assumir o controle de sua comida ao plantá-la bem perto.
Uma horta para chamar de sua
E bem perto, em alguns casos, pode significar o quintal e até a varanda de um apartamento de um dormitório. Ninguém precisa ter uma fazenda como a de Paul Lightfoot para cultivar seus alimentos. Pelo menos é o que defende a startup luso-brasileira Noocity, que desenvolve e vende equipamentos para hortas urbanas como forma de contribuir para uma sociedade mais consciente. A empresa desenvolve soluções específicas para facilitar o cultivo, baseada nas três principais dificuldades do novo agricultor urbano: tempo, espaço e conhecimento.
“A horta faz com que a gente se torne mais consciente, gaste menos e se alimente melhor. As cidades também estão vivendo uma crise existencial por seu afastamento da natureza, e muitos de seus habitantes já sentem a necessidade de se reaproximar do verde”, defende Rafael Loschiavo, um dos sócios da empresa. “A maior parte das pessoas não sabe de onde vem aquilo que está no seu prato. Quando acompanhamos todo o processo de crescimento de uma planta, passamos automaticamente a respeitar mais o que comemos e também a natureza ao nosso redor.”
Essa máxima também começou a rodear a gastronomia, há alguns anos, com o conceito de farm-to-table (do campo a mesa), no qual chefs e cozinheiros passaram a se aproximar mais de seus fornecedores e produtores. Alguns até arrendaram fazendas para ter maior controle dos ingredientes que chegam às suas cozinhas ou no extremo, fundaram suas propriedades agrícolas. Foi o caso do chef americano Dan Barber, que criou um ecossistema completo numa área em Stone Barns, local bem próximo a Nova York. “O Blue Hill at Stone Barnes (restaurante que o chef abriu ali) foi concebido com a premissa de encurtar a cadeia alimentar, de termos um maior controle do que servimos”, conta ele. Tudo que é colhido é imediatamente incorporado ao menu, sem nenhum tipo de atravessador. Hoje as pessoas que moram nas grandes cidades não sabem de onde vem seu alimento e têm pouco contato com os meandros que perpassam a comida até chegar a mesa. “A comida não precisa ser paga, pode ser plantada. E plantá-la é a coisa mais transformadora que você pode fazer pela sua alimentação.” Seja você uma pessoa comum ou um chef estrelado.
Veja matéria completa em: Revista Vida Simples - http://vidasimples.uol.com.br/noticias/comer/da-fazenda--para-a-cidade.phtml#.V6sY95grKUk

Comentários