Paula
Adamo Idoeta - BBC Brasil
Professores
criticam 'vilanização' da agricultura, mas dizem que ainda há desperdício
Enquanto cidades como São Paulo apertam o cinto
para não ficar sem água em meio a uma crise sem
precedentes e fazem esforços para reduzir o consumo hídrico, o uso na
agricultura entra em debate. O setor gasta mais água do que deveria ou seu
consumo é justificado pela produção de alimentos?
Cerca de 72% da água captada no país
vai para a produção agrícola, o que está em linha com a média de 70% no mundo,
segundo a ANA (Agência Nacional de Águas). Mas esse consumo envolve diversas
variáveis e, segundo especialistas consultados pela BBC Brasil, ainda há
desperdício significativo no setor e muito o que fazer para economizar água.
Os analistas concordam em uma coisa:
o Brasil tem água o bastante para todos, mas precisa aprender a geri-la de
forma mais eficiente e combater os desperdícios.
"Em locais onde falta água, podemos,
no futuro, precisar optar por culturas agrícolas que consumam menos água. Isso
faz parte de um planejamento maior. Mas o Brasil não pode passar por uma crise
como a que temos agora, porque nós temos água", opina o pesquisador Lineu
Rodrigues, da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, ligada ao
ministério da Agricultura).
Para Malu Ribeiro, coordenadora da
Rede das Águas da ONG SOS Mata Atlântica, a eficiência passa por criar uma
relação mais "sustentável" entre o setor e os recursos hídricos.
"Há setores que têm reduzido sua pegada hídrica. É preciso separar a
agricultura que incorporou a sustentabilidade – muitas vezes porque depende
disso para obter certificados internacionais que a permita exportar – da
perversa, de muitas monoculturas (que exaurem os recursos do solo) e dos
setores que usam muito veneno", opina.
A seguir, perguntas e respostas sobre
algumas das principais questões envolvendo água e plantio. As opiniões díspares
evidenciam as diferentes realidades do setor:
Como é
o consumo de água na agricultura?
Especialistas do setor agrícola
alegam que, na área rural, o consumo de água em geral não compete com o uso
pelas pessoas.
Mas, para a SOS Mata Atlântica,
muitas vezes o plantio concorre com o consumo humano, seja na captação ou em
casos de poluição das fontes de água.
Agricultura de
irrigação tende a crescer, e desafio é que isso não eleve o consumo de água
Segundo a ANA (Agência Nacional de Águas),
a cobrança pela captação da água na agricultura varia conforme o tamanho do uso
(pequenos produtores rurais costumam ser isentos) e o local de onde é retirado:
em algumas bacias hidrográficas, há isenção de custos para os agricultores, o
que estimula desperdícios; em outras, paga-se pela autorização de captação (a
chamada outorga) ou por litro captado.
Em São Paulo, segundo o Departamento
de Águas e Energia Elétrica (DAEE), seis bacias hidrográficas - de um total de
22 - cobram pela utilização dos recursos hídricos: Paraíba do Sul;
Piracicaba/Capivari/Jundiaí; Sorocaba/Médio Tietê; Baixada Santista; Baixo
Tietê e Alto Tietê.
Lineu Rodrigues, da Embrapa, diz que
o uso da água na agricultura tem uma diferença significativa com relação ao uso
humano e ao industrial: a qualidade dos resíduos. "A água que volta para o
rio depois do consumo humano tem qualidade horrível, é esgoto. Na agricultura
bem-feita, ela volta limpa. Nossa análise de poços no Cerrado mostra isso. É
injusto não levar isso em conta", diz.
Mas Ribeiro, da SOS Mata Atlântica,
afirma que nem sempre é esse o caso: "Por causa dos defensivos agrícolas
usados no Brasil, muitos deles proibidos no exterior, o produto final muitas
vezes é uma água contaminada".
Há
desperdícios? A agricultura está sendo forçada a economizar?
Não
há, na ANA ou no governo brasileiro, estatísticas oficiais sobre a extensão do
desperdício da água na agricultura. A SOS Mata
Atlântica diz que as perdas podem chegar a 70%; Rodrigues, da Embrapa, vê
perdas menores, de 15% a 20%, na região onde trabalha.
Tampouco há, segundo a ANA, metas
oficiais para economizar água no setor agrícola, mas produtores que não cumpram
medidas de eficiência ou gastem água além do previsto podem, em tese, perder a
outorga para captar recursos hídricos. A própria agência, no entanto, aponta
que, na prática, isso não ocorre com frequência.
Os cinco especialistas consultados
pela BBC Brasil concordam que o setor pode otimizar o uso hídrico, aprimorando
a retenção de águas nas fazendas ou evitando desperdícios na irrigação.
Para Nelson Ananias Junior, assessor
da Confederação Nacional de Agricultura (CNA), falta regulamentação ao processo
de retenção de água em propriedades agrícolas, o que facilitaria o
armazenamento de águas em épocas de seca.
"Podemos plantar na seca (no
Brasil), porque temos sol e solo", diz. "O limite é a água. Se ela
for mais bem distribuída, produzimos mais."
Ananias diz que os produtores são
incentivados a economizar água para economizar dinheiro, já que, quanto mais
água os agricultores gastam, maiores são seus custos de energia - o custo para
bombear água das fontes às plantações fica na conta dos produtores. Ainda
assim, para a SOS Mata Atlântica, isso não pesa tanto no bolso do produtor:
"A água e a energia são muito baratas".
A CNA e a ANA anunciaram, em abril
passado, um Acordo de Cooperação Técnica para mapear e aprimorar a gestão de
recursos hídricos no país, capacitar produtores rurais e criar estratégias para
agir em áreas de potenciais conflitos envolvendo o uso da agricultura irrigada,
mas o acordo ainda não teve desdobramentos práticos.
A agricultura
está sendo afetada pela falta d’água?
Safras como as de feijão, em Goiás, e
o milho, em Minas e São Paulo, perderam produtividade por conta da crise
hídrica.
Ananias, da CNA, explica que os
produtores são diretamente impactados pela falta d’água porque a legislação
brasileira determina que, em caso de seca, o uso prioritário é o humano, e não
o agrícola.
Para Ribeiro, os mais prejudicados
tendem a ser os produtores de pequeno porte. "Em Ibiúna (SP), por exemplo,
pequenos agricultores de batata e hortaliça tinham toda sua documentação
ambiental em dia, mas tiveram sua outorga suspensa (por causa da crise de
abastecimento no estado)", diz a coordenadora da Rede das Águas da SOS
Atlântica.
A
irrigação é problema ou solução?
A irrigação ainda está presente em
uma área relativamente pequena do total do plantio brasileiro, mas tende a
crescer por ser bem mais eficiente e permitir que o produtor não dependa da
chuva, explica Ivanildo Hespanhol, professor do Departamento de Engenharia
Hidráulica da Poli-USP.
Expandi-la, no entanto, significaria
puxar mais água de fontes que, em alguns casos, podem competir com o uso
humano.
Tarlei Arriel Botrel, professor da
área de hidráulica da Esalq-USP (Escola Superior de Agricultura Luiz de
Queiroz), fala que a irrigação não pode ser vilanizada. "A irrigação é a
transformação da água em alimento, e precisamos comer."
Ele e outros analistas concordam,
porém, que há desperdício nessa área, como perdas por evaporação, pelo vento ou
mesmo pelo excesso de água jogada nas plantas.
"Quando há displicência na
irrigação, alguns lugares do plantio recebem mais água que os outros. Mas há
métodos de irrigação de precisão, que diferenciam as plantas por seu tamanho e
pela cultura. Com a escassez, está havendo uma mudança de mentalidade: é
preciso saber quando e o quanto irrigar."
Que
práticas podem evitar desperdícios?
Botrel afirma que tende a crescer a
técnica de irrigação chamada de gotejamento (em que mangueiras direcionam gotas
d’água às raízes das plantas), que, apesar de mais cara, economiza água.
Rodrigues, da Embrapa, afirma que
simulações de irrigação (levando em conta regime de chuvas e necessidade das
plantas) evitam que a água seja usada aleatoriamente.
"Se o produtor não é orientado,
ele irriga como der, mas, se fazemos simulações de longo prazo, conseguimos
saber o quanto colocar de água em vez de jogar água à toa", diz o
pesquisador.
Uma tecnologia importante, ainda que
pouco usada, é a de sensores e drones, que ajudam a identificar o melhor
momento para irrigar. E há, também, projetos para utilizar a água de esgoto
semitratado para usos agrícolas.
Hespanhol, da USP, defende que
estações simples de tratamento de esgoto, perto de grandes centros urbanos,
forneçam água para pequenos produtores. Mas essa técnica tem um risco: se a
água não for bem tratada, pode contaminar a plantação com parasitas.
"Em geral, temos feito pouco uso
controlado de esgoto tratado (para fins agrícolas) e de forma não
planejada", afirma Hespanhol. "Esse uso controlado consiste em tratamento
da água, em técnicas de aplicação – de forma que o esgoto não atinja as partes
comestíveis das plantas – e na proteção dos agricultores, que devem ter acesso
à educação, vacinação e água potável para o consumo próprio."
A pesquisa é outra frente na busca
por eficiência: já existem, por exemplo, tipos de trigo que crescem com menos
água. "O objetivo final é reduzir o uso da água sem perder
produtividade", diz Rodrigues.
Em algumas regiões, os próprios
agricultores apresentaram soluções para manter suas outorgas e evitar que seu
uso concorra com o consumo humano. "Em Botucatu (SP), produtores começaram
a irrigar suas plantações no final da tarde, para reduzir a evaporação, e
pararam de usar defensivos agrícolas em uma faixa a 100m de distância do rio local,
para evitar contaminação", diz Ribeiro, da SOS Mata Atlântica.
http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/03/150302_agua_agricultura_pai.shtml
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