Mercados alimentares digitais: inclusão produtiva, cooperativismo e políticas públicas

 

Mercados digitais não funcionam exatamente como os mercados convencionais, nos quais as trocas se dão de forma direta entre compradores e vendedores, ou mediadas por relações nas quais as interações físicas desempenham um papel importante. Para usar um jargão da sociologia econômica, sabemos que mercados são “construções sociais”. Mas essa construção guarda peculiaridades quando envolve as interações remotas nos aspectos comercial, financeiro e logístico. Por certo, ainda aí aspectos como reputação e laços de confiança pesam, para além dos aspectos tradicionalmente enfatizados nas abordagens mais tradicionais do tema como preços, regularidade e qualidade. Como tudo isso se organiza em ambientes virtuais e mediante uso de ferramentas digitais é, no entanto, algo ainda pouco compreendido.

As respostas à pergunta que perpassa todo o livro não são, portanto, simples ou unívocas. E um primeiro mérito deste livro é justamente mostrar que por detrás da denominação geral “plataformas digitais” ou “mercados digitais” há uma heterogeneidade de situações. Há plataformas de marketplace operadas por grandes empresas e que ofertam produtos agroalimentares. Há aplicativos de e-commerce utilizados por produtores e empresas. Há sites de divulgação e venda de produtos criados e administrados pelos próprios produtores individualmente ou de forma associada. Há plataformas institucionais que funcionam como espaço de intermediação de contatos para compra e venda ou de simples exposição de produtos. Há o uso de redes sociais. Em cada um desses formatos há diferentes desafios para administrar cinco domínios críticos à entrada de agricultores familiares: as barreiras de entrada e a concorrência; os aspectos relacionados a escala, escopo e estabilidade tanto da oferta como da demanda; a logística; o arranjo organizacional e a governança destes mercados e seus instrumentos; e a gestão da informação.

Segundo mérito do livro: há, nele, um conjunto amplo de evidências sobre como tudo isso vem funcionando em experiências concretas. O leitor encontrará um abrangente panorama desta heterogeneidade e destes desafios na Introdução e no capítulo que abre a coletânea, de autoria de pesquisadores conhecidos como Paulo Niederle, Sergio Schneider, Jeferson Tonin, Saritha Denardi, Juliane Salapata, Marcio Gazolla, Potira Preiss, Marcelo Conterato, Maycon Schubert, Catia Grisa. Ao longo da primeira parte do livro, composta também por outros cinco capítulos de diferentes autores, é possível encontrar um tratamento mais pormenorizado sobre como 12 experiências de cooperativas de produtores vêm buscando equacionar os desafios apontados. Na segunda parte do livro a ênfase se desloca para as relações entre políticas públicas, digitalização e acesso a mercados, com mais quatro instigantes capítulos recheados de evidências vindas de diferentes casos.

As pesquisas que deram origem a este volume foram feitas em plena pandemia da Covid-19, com todas as dificuldades que isto traz para a realização de pesquisas: restrições para visitar as experiências, limitações para realizar encontros presenciais, tempo escasso para amadurecer e decantar conclusões. Mas aqui está um terceiro mérito: os organizadores da publicação e os pesquisadores que contribuíram em cada um dos capítulos, em vez de recuar diante destas barreiras, fizeram disso um estímulo para produzir, no calor de um dos momentos mais dramáticos do país e da Humanidade, uma reflexão viva, que projeta caminhos para o futuro, tendo por base um tema novo.

Texto retirado do Prefácio do livro, escrito por Arilson Favareto, professor da UFABC e pesquisador do núcleo Cebrap Sustentabilidade

Baixe a publicação completa aqui: https://lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/231276/001133016.pdf?sequence=1&isAllowed=y

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