(foto: Ed Alves/CB/D.A
Press)
Resiliência é um conceito
que aparece com frequência nas análises e discussões sobre a superação da crise
planetária causada pela pandemia do coronavírus. O conceito é oriundo da
física e descreve a propriedade de alguns materiais de acumular energia quando
submetidos a pressão ou choque para retornar ao estado normal após um
estresse — como a vara de salto em altura, que se verga a um limite extremo sem
se quebrar, retornando à forma original após lançar o atleta para o alto.
Transposto para nós, humanos, o conceito define a capacidade de lidar com
riscos, se adaptar a mudanças, superar obstáculos ou resistir a situações
adversas sem rupturas ou caos.
A atual crise nos mostra,
de maneira contundente, como a resiliência é importante diante de um risco difícil
de prever, que produz impactos com enorme rapidez por múltiplos países e
continentes, sem respeito a fronteiras ou barreiras de qualquer ordem.
Situação que nos força a perceber que estamos imersos em uma intrincada rede de
sistemas, com estruturas sociais, políticas e econômicas interdependentes, que
sofrerão sobrecarga e estresse com enorme perda de vidas e inevitável recessão.
Mais que compreender e dominar a causa biológica da pandemia — a
Covid-19 —, os países precisarão redescobrir os princípios formadores da
resiliência capaz de afastá-los de rupturas e do caos.
Em curto prazo, líderes e governantes
estão pressionados a redescobrir e institucionalizar o valor da cooperação e da
generosidade, do compartilhamento de responsabilidades e das redes de proteção
que garantam atenção à vida acima de quaisquer bens materiais. Mas, ao
emergirmos desta séria crise, os sistemas alimentar e de saúde pública deverão
receber redobrada atenção em todo o mundo, uma vez que alimento, nutrição e
saúde compõem o nexo que move todas as demais engrenagens do complexo sistema
chamado sociedade. Não é possível pensar em progresso ou desenvolvimento
econômico seguro, justo e inclusivo quando se ignoram ou se toleram falhas e
insuficiências nos sistemas alimentares e de saúde pública.
A principal função do alimento é
garantir a sobrevivência das pessoas. E essa função básica move a
população, numa situação de crise, a entrar em pânico, correndo para garantir
que tenha comida suficiente em casa. Mesmo países desenvolvidos tiveram
picos de demanda que esvaziaram prateleiras nos supermercados em resposta à
pandemia, comprometendo a segurança alimentar de grupos mais vulneráveis.
Inúmeras nações importam grande parte dos alimentos que consomem,
tendência que se consolidou com a expansão das cadeias de suprimentos
transnacionais, que permitem acesso a produtos baratos em qualquer parte do
planeta, de maneira rápida e eficiente. Inevitável, pois, que a profunda
crise que vivemos coloque em evidência as vulnerabilidades dessas cadeias de
suprimentos, em especial a carência de mecanismos de resposta a riscos
sistêmicos capazes de interromper fluxos e causar insegurança alimentar mesmo
em nações desenvolvidas.
É preocupante imaginar que, ao
alcançar as regiões mais pobres do planeta, a emergência sanitária poderá ser
ainda magnificada pela insegurança alimentar e pela fome. Situação que
coloca em evidência passivos inaceitáveis e um imperativo para o futuro:
os seres humanos precisam ganhar o centro do sistema alimentar, que ainda
carece de capacidade de fornecer alimentos acessíveis, seguros, nutritivos – e
aceitáveis – para todos. É insensato que, em nome de interesses puramente
econômicos, a produção de alimentos avance de forma imprudente sobre recursos
naturais sensíveis, assim como é insensato ignorar as evidências que demonstram
serem doenças crônicas relacionadas à dieta responsáveis por mais de 11 milhões
de mortes prematuras todos os anos.
A Covid-19 também deixará marcados
nas nossas mentes os perigos da relação entre humanos, animais e o mundo
natural. Nós dependemos de animais para alimentação, trabalho,
transporte, lazer e companhia. As zoonoses, ou doenças infecciosas
naturalmente transmitidas entre animais e seres humanos, são mais comuns do que
a maioria das pessoas imagina, consequência previsível das interações e
dependências entre humanos, animais e a natureza. Por isso, a menos que
adotemos nova abordagem para proteger a saúde humana e animal, esta não será a
última pandemia que enfrentaremos. A crise nos mostra que é chegada a
hora de médicos, veterinários e ecologistas se unirem para tratar de forma mais
sistêmica a saúde dos seres humanos, dos animais e dos ecossistemas.
O reconhecimento dessas e de outras
vulnerabilidades deverá colocar em evidência a necessidade de reforço na
resiliência do sistema alimentar global. A dependência excessiva de cadeias
globais de suprimentos, menos atentas às necessidades e circunstâncias locais,
precisará ser revista, pelo menos no tocante aos sistemas de alimentação e
saúde. Fortalecer tais sistemas exigirá mais investimento em ciência e
em mecanismos de segurança e backup, que previnam rupturas em estruturas e
funções críticas em momentos de crise.
Por fim, é preciso que se compreenda
que resiliência diante de situações críticas como a atual pandemia é altamente
dependente da existência e da funcionalidade de sistemas de inteligência
estratégica, capazes de sistematicamente antecipar futuros possíveis e orientar
resposta e adaptação às crises e aos desafios imprevistos, quando surjam.
Sem esse recurso, o bate-cabeças e a perplexidade se tornam inevitáveis,
em especial no enfrentamento de riscos sistêmicos e multifacetados como o que
atualmente estarrece o mundo.
*Pesquisador da Embrapa
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