Agroflorestas se espalham pelo país: cultivo sem desmatamento




Cresce adesão à prática que gera produtividade com preservação da mata

POR PEDRO MANSUR / WILLIAM HELAL FILHO

À primeira vista, pode parecer uma mata crescendo sem interferência humana, tal a quantidade de árvores. Mas, caminhando pela área, o visitante identifica a grande variedade de alimentos brotando de arbustos e das próprias árvores. Limão, açaí, manga, acerola, caju, banana, laranja e muito mais. Nada está ali por acaso. As espécies que geram esses frutos foram cuidadosamente plantadas neste terreno em Silva Jardim, no interior do estado do Rio de Janeiro. Trata-se de uma agrofloresta.

— Quando me falaram, achei que era coisa de maluco. ‘Plantar sem desmatar a floresta? Vai semear como? Vai ter que fazer casa em árvore e morar que nem índio’ — conta a agricultora Marlene Assunção, de 52 anos, dona da propriedade. — Hoje eu entendo. As coisas vão estar aqui para nossos netos. É menos egoísta.

As agroflorestas, também chamadas de sistemas agroflorestais (SAF), vêm ganhando relevância no país como uma alternativa que alia a produção de alimentos, necessária num mundo de população crescente (seremos 8,5 bilhões de Homo sapiens em 2030, segundo estimativas da ONU), com a preservação de florestas, não menos importante num planeta que precisa manter seus recursos naturais e, assim, frear as mudanças climáticas. O conceito preconiza que a agricultura pode se beneficiar, e muito, de áreas intensamente arborizadas.

A prática agroflorestal já existe há décadas, mas agora começa a receber a devida atenção, disseminando-se pelo país. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), órgão ligado ao Ministério da Agricultura, está dando início a um projeto para identificar, mapear e estimular agroflorestas nas regiões Sul e Sudeste. No Estado do Rio, há exemplos de SAFs concentrados, principalmente, em Paraty, no Maciço da Pedra Branca (Zona Oeste do Rio) e na região de Casimiro de Abreu, onde uma oficina do Projeto Agenda Gotsch está capacitando 60 agricultores para adotar essas práticas em suas terras. O curso começou na quinta-feira e termina hoje.

Agricultura sintrópica
A oficina é ministrada pelo pesquisador suíço Ernst Götsch, um dos pioneiros desse método de cultivo no país. O agricultor veio para o Brasil na década de 1980, estabelecendo-se numa fazenda no Sul da Bahia. Desde então, desenvolve técnicas de recuperação de solo com métodos de plantio que mimetizam a regeneração natural de florestas.

— Queremos trabalhar para criar agroecossistemas, que promovem essa integração. Em vez de estabelecer áreas de proteção permanente, constituir sistemas de integração permanente, que permitam ao agricultor produzir melhorando o solo e criando um ecossistema mais próspero — afirma Götsch, que está gravando uma série de vídeos para divulgar suas técnicas na internet.
O europeu usa a expressão “agricultura sintrópica” para definir o conceito que busca divulgar. Trata-se do uso de dinâmicas naturais para enriquecer ou recuperar o solo, que se torna apto para a produção agrícola sem a necessidade de fertilizantes químicos, apenas usando os recursos naturais. E sem devastação da mata.

Mas, para aproveitar ao máximo o que a natureza oferece para o cultivo, o manejo da floresta é fundamental. Quem explica é o técnico ambiental Nelson Barbosa, coordenador do Programa de Extensão Ambiental da Associação Mico-Leão-Dourado, em Silva Jardim. Segundo ele, a cada cinco anos, é preciso podar árvores, até mesmo derrubar algumas delas, e deixar os resíduos no solo. São estes resíduos (galhos e folhagens, por exemplo) que espalham na superfície os nutrientes absorvidos, anteriormente, pelas raízes das árvores nas camadas profundas da terra.

— É importante ter áreas de luz direta e sombras na plantação. É aí que ajudamos, levando equipamentos adequados para o manejo e mostrando onde fazer — explica Barbosa.

A Associação Mico-Leão-Dourado funciona na reserva biológica de Poço das Antas, entre Silva Jardim e Casimiro de Abreu. O apoio aos agricultores surgiu para ajudar a entidade, que planeja garantir 25 mil hectares (o equivalente a cerca de 25 mil campos de futebol) de floresta integrada para a sobrevivência de dois mil micos ameaçados de extinção. Como a reserva tem 5.500 hectares, uma das soluções foi incentivar práticas sustentáveis entre os agricultores vizinhos, protegendo as árvores com prosperidade agrícola.

— Quando cheguei, há 20 anos, a terra era seca e o solo rachado, quase pedra. Depois que comecei a agrofloresta, mudou tudo. É este solo verde, de terra preta. Não precisa de enxada, você cava com o pé, de tão macio — descreve Adeílson Ataliba, de 63 anos, que dedica dois hectares de seu terreno, em Silva Jardim, ao cultivo de café, tangerina e palmito.

Cortar árvores da tão degradada Mata Atlântica pode parecer negativo, mas órgãos e ONGs ambientais dão força à prática feita de forma consciente. O Ministério do Meio Ambiente apoia agroflorestas em diferentes regiões. Em setembro de 2015, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) publicou uma resolução que regulamenta o manejo sustentável da floresta, para apoiar os SAFs em território fluminense.

Em Presidente Figueiredo, na Amazônia, uma nova parceria da Coca-Cola com a ONG Imaflora vai fornecer apoio técnico para adoção de sistemas agroflorestais a centenas de famílias que produzem o guaraná comprado pela multinacional.

As práticas agroflorestais são muito usadas para recuperar áreas desmatadas. Exemplo disto é a Fazendinha Agroecológica, em Seropédica. Parceria da Embrapa com a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e a Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado do Rio (Pesagro), o projeto teve início nos anos 1990, numa área de 70 hectares. Espécies que precisam de mais nutrientes foram dispostas em fileiras, com frutíferas e madeireiras de valor comercial. Árvores de rápido crescimento foram colocadas junto a essas espécies “exigentes”, para dar sombra e material orgânico. Hoje, o terreno, coalhado de vegetais, serve de área de pesquisa e aprendizado para estudantes.

— A agrofloresta é uma alternativa de proteção ambiental, mas também uma reserva de segurança alimentar — diz o pesquisador Eduardo Campello, da Embrapa Agrobiologia, que trabalha no mapeamento das SAFs. — Já temos um questionário pronto e espero ter resultados desse projeto em breve.

O engenheiro agrônomo Claudemar Mattos, da ONG AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia, é um ativista da causa. Ha 15 anos, ele foi a Barra do Turvo, em São Paulo, onde há uma atuante cooperativa de produtores agroflorestais, para trazer a experiência ao Estado do Rio. Segundo ele, no Norte, muitos índios só plantam com técnicas agroflorestais:


— As árvores conservam água, enriquecem o solo e dão sombra. São recicladoras do meio ambiente, que pode ser preservado com produtividade.

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